Um olhar para a Inovação Aberta Por Leonardo Comparsi de Oliveira, Sócio Diretor da AnLab

É indiscutível que a velocidade de transformação dos negócios vem aumentando exponencialmente nas últimas décadas. Negócios que ainda não foram impactados por este tsunami de tecnologias e transformações socioeconômicas o serão nos próximos 10 anos. Para fazer frente a este novo estado das coisas, em que a mudança é o que permanece, as empresas precisam desenvolver novas competências organizacionais. Novas capacidades dinâmicas1!

A inovação é uma capacidade dinâmica que permite às organizações varrer o ambiente de negócios em busca de oportunidades, desenvolver aquelas que fazem sentido, rapidamente aproveitando seu valor, e mantendo vivo este ciclo de sense&explore/exploit. Também é certo se afirmar que é praticamente impossível para uma única organização manter domínio e competência sobre todas as áreas de conhecimento que lhe possam interessar de forma eficiente e com o devido nível de aprofundamento. Além de impraticável, o custo disso é inviável na atualidade.

Foi pensando nesta problemática que em 2006, Henry Chesbrough propôs o termo open innovation para referir-se a um paradigma que pressupõe que as empresas podem e devem usar ideias externas, bem como ideias internas, e caminhos internos e externos para o mercado, à medida que buscam o avanço de sua tecnologia. Atualmente o conceito fala de um “processo de inovação distribuído com base em fluxos de conhecimento propositadamente gerenciados através das fronteiras organizacionais, usando mecanismos pecuniários e não pecuniários em linha com o modelo de negócios da organização”2.

Talvez um dos exemplos mais originais, longevos e abrangentes desta filosofia de trabalho seja o programa Connect+Develop (C+D), da Procter & Gamble. Estabelecido em 2001, veio como resposta a um período de declínio do crescimento da P&G. A liderança previu que, com o mundo cada vez menor e se movendo mais rápido, soluções sustentáveis seriam encontradas na colaboração e não isoladamente. Então criou um programa sistêmico de inovação aberta para toda a empresa, encarregado de trazer de fora para dentro e levar de dentro para fora. De partida, estabeleceram a meta de que 50% de sua inovação contivesse um componente significativo de colaboração externa.

Na prática, o C+D possui uma equipe global que busca soluções para as necessidades de todas as áreas de negócios (necessidades estrategicamente definidas), desde embalagens a processos e produtos. Esta busca acontece em redes externas, fornecedores preferenciais, parceiros existentes, academia, pequenas e médias empresas, empresas globais, indivíduos, ONGs e laboratórios governamentais. Eles estão conectados por meio de seis centros principais na China, EMEA (Europa / Oriente Médio e África), Índia, Japão, America Latina e America do Norte. Eles também administram um portal de inovação (pgconnectdevelop.com) em 5 idiomas (inglês, japonês, chinês, espanhol, português) para coleta de ideias.

Uma outra tática bastante empregada neste paradigma de Open Innovation,e que vem ganhando popularidade nos últimos anos, é a conexão de grandes corporações com startups. Henry Chesbrough desenvolve um capítulo inteiro de seu último livro, Open Innovation Results (OUP Oxford, 2020), resumindo a questão a quatro grandes grupos, que nos parece válido explorar, visto que há muita “espuma” no mercado sobre esta questão.

Os modelos de Corporate Venture Capital (CVC) e de Incubadora Corporativa, procuram ambos manter certo controle sobre as startups detendo uma parte do equity destas empresas.

Os CVCs não são novidade, já existem desde a década de 60, e sua história é repleta de altos e baixos. Usualmente as empresas constituem uma unidade separada, independente, com recursos próprios providos pela corporação. Isto lhes confere flexibilidade e agilidade para a tomada de decisão rápida necessária neste tipo de mercado. É uma forma fácil de uma corporação engajar-se com a atividade empreendedora, apostando em tecnologias e mercados interessantes. Desta maneira as corporações podem influenciar as decisões das empresas em que participam e, caso tenham sucesso, realizar um lucro financeiro na sua venda, em uma eventual oferta pública de ações ou mesmo até adquirindo completamente a startup.

Contudo, a missão dos CVCs não se restringe a realizar bons investimentos. É necessário alinhá-los de forma a dar suporte aos objetivos estratégicos da corporação, como a geração de produtos complementares àqueles da própria investidora, ou buscando a colaboração com as áreas de P&D quando fizer sentido.

Pelo lado das startups o desafio também não é pequeno. Um laço deste tipo com uma corporação pode limitar muito a liberdade da startup de pivotar ou vender para competidores da investidora, sem falar que os objetivos das corporações mudam e o que hoje é estratégico pode tornar-se irrelevante mais à frente. No contraponto, entretanto, este laço pode conferir à startup a credibilidade necessária, acesso ao mercado e a especialistas e, frequentemente,a laboratórios, equipamentos e plantas piloto que não estariam disponíveis de outra forma.

As incubadoras corporativas por sua vez permitem que ideias ou novas tecnologias promissoras, desenvolvidas dentro da corporação, mas que não se encaixam no core business da empresa, possam ser desenvolvidas num ambiente apartado, com condições e metodologia similares às startups. Na expectativa de que estes negócios cresçam e sejam absorvidos como uma nova unidade ou mesmo prossigam como um negócio separado, as corporações injetam recursos financeiros, fornecem espaço de trabalho, expertise, contatos…É excelente poder contar com o suporte da corporação. Entretanto isso pode ser também um limitante ao desenvolvimento de ideias radicais com outros players do mercado que possam causar uma disrupção no mercado da corporação. Ainda, é comum haver um excessivo zelo, ou superproteção da corporação, que pode se traduzir em pouca tração do novo negócio.

Tanto no caso dos CVCs como das Incubadoras Corporativas, gerenciar todos os passos destes programas, desde o mapeamento e busca das startups, passando pelo levantamento de informações, due diligence, negociações com fundadores e investidores, monitoramento e governança, até a tomada de decisões em sintonia com a estratégia corporativa… são atividades que demandam tempo e recursos. Assim, nem sempre é possível escalar este tipo de iniciativa e seus resultados podem ser limitados.

Como alternativa, surgiram mais recentemente modelos simplificados, com mais foco na abrangência (muitos contatos com muitas startups) mas sem tanta profundidade no controle das empresas. Desta forma, com menos custos e carga de trabalho, é possível explorar rapidamente uma ampla gama de oportunidades simultaneamente, e somente aprofundar naquilo que se comprova de interesse, aumentando a velocidade de respostaa oportunidades emergentes. A corporação se beneficia da vantagem de entrar primeiro no mercado, além de entrar em mercados “quentes” através das startups.

Usualmente este tipo de programa parte de uma chamada de propostas em cima de um conjunto determinado de temas de interesse da corporação. Startups que oferecem uma resposta interessante são chamadas para um pitch. Cerca de 10% destas evoluem para uma segunda etapa, onde ambas as partes acordarão o desenvolvimento de uma POC em poucas semanas. Todo tratamento jurídico deste contrato de fornecimento é simplificado. Não há NDAs, equity, nada que adicione morosidade ao processo. Em 80% dos casos o resultado não satisfaz a corporação e o empreendedor sai do processo sem nenhum ônus. Os 20% que encantam tornam-se fornecedores de fato e então entram no processo convencional…

Uma variação deste conceito, focado em levar inovação de dentro da empresa para fora é um programa de plataforma de startups. Neste caso, a corporação quer dar vazão a uma nova tecnologia, promissora, usualmente com múltiplas aplicações, que entretanto ela não terá velocidade e dinamismo para executar. A corporação cria então uma plataforma onde disponibiliza sua tecnologia para asstartups, que se plugam à esta plataforma e desenvolvem soluções variadas para múltiplos problemas em todo o mercado. Com isso a corporação obtém muito mais capacidade de difusão, adoção e velocidade do que seria capaz de ter sozinha. 

Os dois primeiros modelos, com maior ênfase no equity, permitem maior controle e decisão sobre a startup, mas limitam a escala do programa. Se a startup em questão for peça chave para a estratégia de longo prazo da corporação, este investimento pode ser justificado. Já no caso das incubadoras corporativas a questão é que os custos de pesquisa e desenvolvimento já incorreram e, entre a decisão de simplesmente absorver os custos ou buscar uma alternativa de tornar a solução rentável, seja vendendo a propriedade intelectual para outra empresa ou investindo um pouco mais para trazê-la ao mercado. A decisão final dependerá também da estratégia da corporação, como por exemplo a chance de tornar o negócio uma nova unidade da empresa. Em contrapartida os dois modelos mais recentes têm objetivo diverso: a ideia ali é dar velocidade para a empresa responder às oportunidades que estão aparecendo, sem muita preocupação com controle. Desta forma é possível escalar o trabalho e ampliar o número de startups no programa, o que amplia as chances de sucesso.

Como é possível observar, inovação aberta é muito mais do que apenas iniciativas de crowdsourcing, ou a parceria com uma startup, universidade ou ICT. É um agregado de várias destas iniciativas, com o objetivo de obter o máximo possível de todos os ativos do ecossistema e não apenas os da própria empresa. Afinal, em tempos de mudanças aceleradas, vale a pena especializar-se em procurar, conectar, disseminar e absorber o vasto conhecimento disponível. Por outro lado, inovação aberta também não é um Santo Graal. Ela precisa ser praticada com maturidade, em conjunção com a capacidade inovativa da própria empresa. Requer uma liderança forte, que acredite muito no modelo. Frequentemente iniciativas deste tipo são muito bem-sucedidas em uma gestão e acabam por desvanecer na troca de liderança, justamente por perderem o foco da atenção.

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